08/11/2006 - Desafios e Cen�rios do 2� governo Lula
 
Ant�nio Augusto de Queiroz - A reelei��o do presidente Lula em 2� turno teve duplo significado: o eleitor aprovou seu governo, mas recomendou mudan�as de m�todos na ger�ncia e mais transpar�ncia e �tica na a��o governamental
 

A reelei��o do presidente Lula em 2� turno teve duplo significado: o eleitor aprovou seu governo, mas recomendou mudan�as de m�todos na ger�ncia e mais transpar�ncia e �tica na a��o governamental.

O eleitor n�o deu uma carta em branco nem tampouco um salto no escuro ao renovar o mandado presidencial. Prometeu apoio e sustenta��o pol�tica, mas condicionou esse respaldo � continuidade das pol�ticas p�blicas e � mudan�a na gest�o.

O ambiente pol�tico p�s-eleitoral requer muita prud�ncia, tanto do governo Lula, o vencedor, quanto da oposi��o, a derrotada no processo eleitoral, para que seja preservada a governabilidade.

N�o h� clima para a �concerta��o�, desejada pelo ministro Tarso Genro, nem para o terceiro turno, pretendido por alguns setores do PSDB, mas existem condi��es objetivas para entendimentos pontuais, sobre mat�rias espec�ficas, inclusive antes da posse do novo Congresso, com a media��o dos futuros governadores de oposi��o, notadamente os de Minas Gerais e de S�o Paulo.

Entretanto, caso haja uma investida da oposi��o, com base em den�ncias e investiga��es, na tentativa de incriminar o presidente, o governo disp�e de instrumentos para neutraliz�-la. O rem�dio, al�m do apoio popular, � agir r�pido, assumir a lideran�a do processo pol�tico e iniciar imediatamente o novo governo, em novas bases, enfrentando os desafios que est�o postos.

De imediato, o presidente tem quatro grandes desafios pela frente: i) montar uma base consistente de apoio, ii) promover as negocia��es para a elei��o do presidente da C�mara e do Senado, iii) definir uma agenda realista de reformas, e iv) organizar um minist�rio consistente tecnicamente, defens�vel �tica e moralmente, e respaldado politicamente.

Para superar esses desafios com �xito, al�m de humildade e capacidade de negocia��o, o presidente vai precisar de muita habilidade pol�tica, porque depender� muito da unidade dos aliados e da boa vontade dos governadores, inclusive os de oposi��o, especialmente os do PSDB de S�o Paulo, Jos� Serra, e de Minas Gerais, A�cio Neves.

Poder� contar, nesse esfor�o, com os tr�s recursos cl�ssicos do presidencialismo de coaliz�o: compartilhar a gest�o do aparelho de Estado, com a distribui��o de cargos; negociar o conte�do da pol�tica p�blica; e liberar recursos do or�amento, por emendas, liberalidade ou conv�nio com os demais entes federativos.

Os efeitos negativos dos recentes epis�dios envolvendo parlamentares (mensal�o e sanguessugas) servir�o de alerta para a necessidade de observa��o do sentido republicano nessas negocia��es, recomendando maior cuidado na escolha de nomes e na aloca��o or�ament�ria, o que favorece uma maior participa��o da base na formula��o das pol�ticas p�blicas.

O governo do presidente Lula, considerando a correla��o de for�as no Congresso, re�ne todas as condi��es, para formar uma maioria consistente na C�mara e uma maioria relativa no Senado em bases program�ticas, sem cair na aventura de buscar o hegemonismo a qualquer pre�o para o seu partido, como aconteceu no primeiro mandato.

Base no Congresso
O Congresso Nacional passou por uma grande renova��o (de 244 dos 513 deputados e de 20 dos 81 senadores) e ter� uma nova conforma��o partid�ria, ainda que os partidos sejam praticamente os mesmos que deram apoio ao presidente Lula no primeiro mandato.

A nova correla��o de for�as depender� n�o apenas do resultado das elei��es, mas tamb�m das fus�es, incorpora��es e migra��es que ocorrer�o por for�a da cl�usula de barreira, que deixou 14 dos 21 partidos que elegeram deputados sem direito a funcionamento parlamentar.

Entretanto, partindo do pressuposto de que os partidos que deram sustenta��o ao presidente Lula no primeiro mandato, com exce��o do PPS e talvez do PDT, manter�o esse apoio no segundo mandato, a base aliada na C�mara ficar� muito pr�xima da atual e no Senado ser� um pouco menor.

A real dimens�o da base de sustenta��o do presidente Lula s� poder� ser aferida com seguran�a ap�s o rearranjo partid�rio. A tend�ncia hist�rica, nestes momentos de migra��es partid�rias, tem sido de favorecimento dos partidos da base do governo, n�o havendo raz�es objetivas para que seja diferente, salvo se houver fragiliza��o do governo por den�ncia envolvendo o pr�prio presidente da Rep�blica.

Assim, em princ�pio, o presidente Lula contaria na C�mara dos Deputados com os partidos de sua alian�a eleitoral (PT, PCdoB, PTB) e incorporaria � coaliz�o de sustenta��o o PSB, PMDB, PP, PTB, PL e PSC, chegando ao total de 307 deputados. Poder�, ainda, atrair o PV e eventualmente o PDT, que somariam mais 37 votos, podendo chegar a 344.

No Senado, a base do presidente Lula contar�, al�m do PT, PCdoB e PRB, com o PMDB, PSB, PTB, PL e PP, podendo chegar a 42 senadores, sem contar os arranjos que ir�o ocorrer em raz�o das fus�es e incorpora��es por for�a da cl�usula de barreira.

Elei��o dos presidentes da C�mara e do Senado
Eleger aliados para as presid�ncias das duas Casas do Congresso (C�mara e Senado) � crucial para a governabilidade do presidente Lula. Trata-se dos postos-chave do processo legislativo, sem o controle dos quais o chefe do Poder Executivo fica sujeito a toda ordem de constrangimentos.

O presidente Lula est� com um problema adicional para garantir a presid�ncia das duas Casas do Congresso, que depende da boa vontade do PMDB. O partido elegeu a maior bancada da C�mara e, por tradi��o, cabe ao maior partido indicar o presidente da Casa, mas o governo n�o disp�e de nome fora do PMDB no Senado para desbancar o PFL, que fez a maior bancada naquela Casa do Congresso.

Assim, a alternativa que o Governo disp�e para n�o perder a presid�ncia do Senado para a oposi��o, j� que dificilmente teria condi��es de eleger peemedebista nas duas Casas, seria o PMDB ficar com a presid�ncia do Senado e entregar a presid�ncia da C�mara, que por tradi��o caberia ao partido, a outra agremia��o partid�ria da base aliada, podendo ser o PT, PCdoB ou PSB.

Para a presid�ncia do Senado, o PMDB provavelmente apoiaria a reelei��o de Renan Calheiros (AL) ou o retorno de Sarney ou, alternativamente, Jarbas Vasconcelos (PE), desde que assumisse a defesa do Governo Lula. Caso fique com o partido a presid�ncia da C�mara, o nome mais cotado seria o do deputado Eun�cio Oliveira (CE).

Os nomes lembrados para presidir a C�mara, na hip�tese de o PMDB ceder a vaga em troca de continuar presidindo o Senado, s�o respectivamente: Arlindo Chinaglia (PT/SP), Aldo Rebelo (PCdoB/SP), Ciro Gomes (PSB/CE) e Luiza Erundina (PSB/SP).

Agenda de reformas
O presidente Lula, dentro da estrat�gia de sair da defensiva e assumir a lideran�a do processo pol�tico, tomaria a iniciativa de negociar ainda com o atual Congresso a vota��o de mat�rias pendentes que s�o de interesse tamb�m da oposi��o, como o marco regulat�rio do setor de saneamento, o estatuto da pequeno e microempresa, a unifica��o do ICMS e o aumento de repasse do Fundo de Participa��o dos Munc�pios, al�m do FUNDEB e da super receita.

Nesse cen�rio, deixaria para o pr�ximo Congresso a regulamenta��o da reforma da previd�ncia e a negocia��o de uma agenda com quatro reformas constitucionais: i) a pol�tica, ii) a tribut�ria, especialmente a CPMF e DRU, iii) a sindical e iv) a trabalhista.

Nada, entretanto, ser� aprovado sem ampla negocia��o com a oposi��o. Se no atual Congresso, especialmente nos anos de 2005 e 2006, houve uma grande influ�ncia da oposi��o no conte�do das mat�rias votadas no Legislativo, na pr�xima legislatura, com as mudan�as havidas na correla��o de for�as, essa tend�ncia se amplia ainda mais.

Portanto, a aprova��o de uma agenda de reformas depender� de amplo entendimento. O presidente propor� a mat�ria, contendo os principais enunciados, mas o conte�do e forma��o final ser� resultado da negocia��o que necessariamente acontecer� no interior do Parlamento, sob pena de nada ser votado de relevante.

Reforma ministerial
A concep��o e montagem do novo governo n�o ser� uma tarefa f�cil. O presidente ter� o desafio de formar uma equipe que seja tecnicamente preparada, �tica e moralmente inquestion�vel, politicamente respaldada e geogr�fica e partidariamente representativa.

No 2� mandato, diferentemente do 1�, o presidente Lula n�o delegar� ao PT a tarefa de negociar e recrutar os quadros para o Poder Executivo. A tend�ncia � que essa tarefa seja exclusiva do presidente, com o aux�lio do coordenador pol�tico do Governo e o Chefe da Casa Civil da Presid�ncia da Rep�blica.

O novo minist�rio, a julgar pela vontade do presidente Lula, ser� menos petista, menos paulista e mais amplo do ponto de vista partid�rio e regional, com a maior participa��o do PMDB e dos setores produtivos.

O presidente, na forma��o de seu minist�rio, buscar� atender aos reclamos das urnas, cujas demandas foram estratificadas por classe social: a) os pobres pedindo a continuidade do baixo custo da cesta b�sica e a amplia��o dos programas de transfer�ncia de renda, b) os ricos pedindo responsabilidade fiscal, equil�brio cambial e redu��o de tributos, e c) a classe m�dia pedindo estabilidade monet�ria e mais transpar�ncia e �tica.

Para atender a essas demandas, o presidente certamente far� um minist�rio que possa refletir esses interesses. A t�tulo de exemplo, indicaria algu�m capaz de promover um ajuste fiscal no minist�rio da Fazenda; um grande jurista no Minist�rio da Justi�a; um representante de regi�o agr�cola ou produtor rural no minist�rio da Agricultura; um grande empres�rio no Minist�rio do Desenvolvimento e Com�rcio Exterior; um representante dos movimentos sociais no Minist�rio da Reforma Agr�ria e assim por diante.

Em conclus�o, pode-se afirmar que: a) a governabilidade n�o est� amea�ada, b) haver� negocia��o e acordos program�ticos e pontuais com a oposi��o, perdendo for�a tanto a id�ia de �concerta��o� quanto o �mpeto revanchista do terceiro turno, c) o presidente contar� com uma base de apoio consistente na C�mara e relativa no Senado, d) o governo precisa se relacionar melhor com o Congresso e com governadores estaduais; at� porque a aprova��o de emenda � constitui��o depende do apoio da oposi��o, que tende a ser mais hostil, e f) o presidente est� consciente das demandas e dificuldades, mas est� preparado e ter� apoio para enfrent�-las sem colocar em risco o equil�brio federativo.

Ant�nio Augusto de Queiroz � jornalista, analista pol�tico e Diretor de Documenta��o do DIAP � Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.