12/09/2022 - Justiça anula contratos intermitentes e obriga patrões a pagarem verbas rescisórias
 
Para julgadores, seriam contratos normais, que não seguem as regras da reforma trabalhista.
 

A Justiça tem anulado contratos de trabalho intermitente por não seguirem os requisitos previstos na Lei da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017) – que instituiu a modalidade. As decisões consideram que haveria, nesses casos, um contrato de trabalho normal (com prazo indeterminado) e estabelecem o pagamento integral das verbas rescisórias, e não só sobre os períodos efetivamente trabalhados.
A legislação só autoriza o contrato intermitente para serviços esporádicos, com alternância de períodos de prestação de serviço e de inatividade. E o funcionário só recebe pelo período que efetivamente trabalha, quando convocado pelo empregador – que pode ser mais de um. Direitos trabalhistas, como férias e 13º salário, são pagos de forma proporcional, assim como o FGTS.
De novembro de 2017 até agora, foram contratados 842,7 mil trabalhadores por meio de contratos intermitentes, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Somente neste ano, foram criados 31.483 postos, resultado de 121.585 admissões e 90.102 desligamentos (dados de junho).
A vantagem do trabalho intermitente é que a empresa não precisa pagar por períodos inativos. Durante recesso escolar ou de fim de ano, por exemplo, ou quando há redução de vendas em razão de crise ou paralisação das atividades, como na pandemia. Contudo, segundo especialistas, não pode-se usar a modalidade para empregados em trabalhos contínuos, para se eximir de fazer esses pagamentos.
Uma das decisões foi proferida pela 4ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina (TRT-SC), que considerou inválido o contrato de trabalho intermitente pactuado entre uma empresa de serviços terceirizados de Xanxerê (SC) e uma merendeira escolar. Ao longo de um ano e meio, de acordo com o processo, ela trabalhou durante todos os dias do período escolar na mesma unidade de ensino.
Em seu voto, o relator, desembargador Garibaldi Ferreira, destaca que o trabalho contínuo contraria a alternância de períodos exigida pelo parágrafo 3º do artigo 443 da CLT. Para o magistrado, no caso não havia imprevisibilidade apta a determinar a aplicação do modelo.
“A jornada estava previamente definida e era de conhecimento das partes, sem possibilidade de recusa pela trabalhadora”, diz o relator. “A prestação de serviços era contínua ao longo de todo o ano e a inatividade ocorria apenas em período fixado, de recesso escolar, não havendo falar em imprevisibilidade ou em alternância da prestação de serviços.”
Com a mudança, o afastamento da trabalhadora foi enquadrado como dispensa sem justa causa e a empresa foi condenada a pagar R$ 6 mil em verbas rescisórias – aviso-prévio, férias proporcionais e 13º salário (processo nº 0001415-84.2020.5.12.0025).
Na Paraíba, um empregado contratado para trabalhar no setor de carga e descarga de caminhões em uma grande empresa também teve seu contrato de trabalho intermitente convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado. A decisão é da 1ª Turma do TRT-PB.
Em seu voto, a relatora, desembargadora Margarida Alves de Araújo Silva, afirma que os diversos documentos do processo comprovam a fraude contratual, “que mostra o pagamento de um salário mínimo mensal, sem referência a valores devidos a título de dias ou horas de trabalho quando da convocação do obreiro nos termos da espécie contratual intermitente” (processo nº 0000881-15.2021.5.13.0014).
Um contrato intermitente acertado com um jardineiro que trabalhava diariamente em uma grande empresa também foi anulado. A decisão é da 2ª Turma do TRT do Amazonas. Ele foi convertido em contrato por tempo indeterminado com o pagamento de todas as verbas rescisórias levando em consideração todo o período trabalhado e à disposição do empregador.
Segundo decisão da relatora, desembargadora Eleonora de Souza Saunier, o contrato intermitente corresponde à modalidade de contrato de trabalho cuja característica principal e diferenciadora dos demais tipos de contratos de trabalho é a alternância entre períodos de atividade (trabalho) e inatividade, e, consequentemente, sua imprevisibilidade (processo nº 00003897720215110014).
“Verificada nos autos a prestação de serviços contínua pelo empregado e a inexistência de pausas entre as convocações, fica descaracterizado o contrato intermitente, porque lhe retira característica que é de sua essência e condição de validade (artigo 443, parágrafo 3º, da CLT)”, diz.
Antonio Pereira Neto, afirma que a modalidade intermitente pode ser vantajosa para as empresas que precisam da prestação de serviços esporádicos. Mas, acrescenta, as empresas precisam ter em mente que só deve ser adotada quando a prestação não será contínua e haverá alternância entre trabalho e dias de pausa.
“Se não, esse contrato será descaracterizado pela Justiça”, diz o advogado, que não descarta a possibilidade de empresas que reincidirem na prática de contratar trabalhadores fixos por meio do contrato intermitente serem multadas por fraude e até sofrerem ações coletivas do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Pelo risco de ser caracterizado como fraude, a advogada Juliana Bracks afirma que tem indicado essa modalidade em pouquíssimos casos. “A maioria eu vejo que seria fraude porque, em geral, são contratos perenes e habituais, só que em menos dias da semana. Mas fixo. E isso não é intermitente, mas um contrato de tempo parcial.”
A modalidade do contrato intermitente também está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de três ações diretas de inconstitucionalidade (5826, 5829 e 6154). Por enquanto, há dois votos favoráveis por sua constitucionalidade e um contra.
Entidades que assessoram trabalhadores alegam, nos processos, que, embora o trabalho intermitente tenha sido criado sob o pretexto de ampliar vagas, leva a salários menores e impede a subsistência de trabalhadores. Violaria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia.
A professora da PUC-SP e advogada trabalhista Fabíola Marques, concorda que, por meio do contrato intermitente, não há garantia mínima de salário ou quantidade de horas trabalhadas por mês. Ela afirma que, em geral, tem sido usada por restaurantes e hotéis.
Já o advogado Antonio Pereira Neto entende que não há supressão de direitos, mas sim flexibilização das leis trabalhistas, gerando possibilidade de mais emprego e facultando ao trabalhador a possibilidade de se ativar para mais de um empregador, podendo, ainda, acatar ou não ao chamado.
Por Adriana Aguiar
Fonte: Valor Econômico